Thursday, April 3, 2008

Autismo





A maior preocupação, ou melhor dizendo...o maior sofrimento de pais de autistas, é quando eles se perguntam?
- E se um dia eu não estiver mais "aqui"? Como será?
Quem vai cuidar do meu filho, quem vai ter paciência com ele, sua problemática, quem terá o mesmo interesse que eu em se dedicar a compreender, nutrir, ensinar, educar, assistir, auxiliar, se comunicar com ele?
Se eu mesmo de vez em quando não tenho paciência, quem terá?
Quem vai estar tão informado quanto eu sobre o Autismo?

É claro que preocupar-se faz parte da maternidade e da paternidade, todos os pais que amam seus filhos, se preocupam com sua saúde, sua educação, seu futuro.
A diferença que quando criamos uma criança "saudável" (normal), o educamos para serem no futuro, independentes e seguirem adiante suas vidas, para que se tornem não mais filhos, mas indivíduos completos, que resolvam seus próprios problemas, superem suas próprias dificuldades, e que aprendam com o "erro", e assim aprendem a viver da melhor forma possível, para se tornarem pessoas dignas, com suas próprias idéias, ideais, escolhas, pessoas completas, responsáveis...assim como nós (pais) o somos, adultos e crianças em busca da maturidade, da felicidade, do entendimento, conhecimento como o "mundo" funciona, revendo com discernimento os pontos fracos de nosso sistema social dos problemas da humanidade em geral, sabendo mais do que se safar, ter uma vida plena.

E mais do que tudo, compreendermos que somos humanos, e ninguém, mas ninguém é perfeito, então o negócio é relaxar.

Pais de autistas como eu, preferem viver dia após dia, porque o que citei acima, não é aplicável para um indivíduo que recebe o diagnóstico dentro do Espectro autista, nas diferentes graduações (níveis, formas).
No que se refere a palavra AUTISMO, a sociedade lembra do filme "Rainman", ou de algo que ouviu falar aqui ou ali, e prefere dizer:
- Ah! São crianças bem dotadas, geniais.

- Não, não são...eles podem ter um talento pra algo tido genial, mas ao mesmo tempo, não sabem tirar uma casca do ovo, muitos não sabem se virar sozinhos no geral, sem a presença de um tutor, assistência, acompanhante, pais, uma pessoa adulta.

Minha filha autista faz parte desse universo, e educá-la, ensiná-la, ser amada e compreendida por mim, sem comparações é uma missão que tenho aqui na terra, diferente de muitas outras, mas no que se refere a ser mãe/pai de um autista, se assemelham.

O autismo não tem rosto, o autismo não tem "aparência", no autismo as aparênciam também enganam, de fora...são tidos como NORMAIS o que representam de uma forma muito aceitável como um quebra-cabeça.
O autismo e uma criança autista, é um quebra cabeça (interminável ou difícil de ser solucionado), é difícil e complicado EXPLICAR E ESCLARECER sobre o autismo, um constante quebra cabeça, e quando se consegue juntar algumas peças, já ficamos felizes, ou sendo mais claro, é quase praticamente impossível entender um autista sem conviver com ele.

As vezes ilustro a problemática da minha filha, como vários buracos negros, mas isso pra mim, porque um leigo não vai entender esse "buraco negro", esse olhar que ela tem, como se fosse um olhar frio, vidrado, distante (no próprio mundo)...mas que pode ser diferente também, muitas vezes em sua companhia me senti só,  simplesmente só, não que ela não me tenha feito companhia,  ela está lá/aqui de corpo presente, mas é como se não estivesse.
É preciso estar com muita sede para dizer:
- Mãe, estou com sede. Ou agora que está grande, ir até a cozinha e pegar um copo d'água.

Às vezes ela parece normal (já que possui uma forma de autismo não tão grave), mas será sempre um autista. Até já acostumei com essa palavra, e ela pra mim, tem outra medida.
Aprendeu a lidar com emoções NA ESCOLA, com pictogramas.
aprendeu muita coisa na escola, e eu estou fazendo um treinamento de mãe em casa, porque ela está "mudando de fase" biológica.

Há autistas de QI alto, há outros de QI baixo, ou médio...há autistas que não falam, se retorcem o tempo inteiro, ou outros que possuem muitos tiques, minha filha é desse tipo...movimentos involuntários das mãos, dedos, pés, pernas, estalar os dedos, cada fase é um diferente.
Mas há coisas que autistas possuem em comum. Características relacionadas internacionalmente para o diagnóstico, junto com testes cognitivos, de abstração, nível de comunicação, sociabilidade e vários outros.

- Não mamaram no peito - a minha filha não mamou.
- Como bebês não tinham muita necessidade de colo, carinhos, afagos.
- Eram bebês fáceis, choravam poucos;
- No aprendizado da fala, usavam a ecolalia (ou se referiam a si próprio na terceira pessoa)= repetição de palavras ou frases (outros nem usam a linguagem ou tem dificuldade no aprendizado da fala).
- Brincam tranquilamente SOZINHOS, sem se sentir sozinho (sem se importarem com a presença do outro).
- Estrutura na rotina diária, se faz necessário (toda criança precisa, mas um autista necessita mais horas de sono que uma criança comum), e rotina bem como um ambiente de paz/harmônico, sem atritos, e estímulos negativos externos.
- Não se relacionam em geral com outras crianças (dificuldade no relacionamento social), não brincam, não fazem amizades, não sentem falta de amigos, apesar de muitos terem contatos, mas normalmente um autista tem poucos amigos.
- Há mais autistas do sexo masculino do que feminino, engraçado...minha filha foi obrigada e está sendo a viver num universo masculino de que a princípio não gostava muito, sempre teve poucas ou nenhuma coleguinha de classe, mas depois de conviver com algumas meninas, percebeu que muitas meninas não são tão amáveis, como os meninos.
- Possuem obsessões com determinado objeto, brinquedo, revistas, manequim de vitrine, tipo de jogo, livro, estória, filme, etc.
- Não gostam se interessam por animais de estimação, podem até gostar, mas o interesse é vago.
- Dificuldade ou retardamento: fala/aprendizado por exemplo: andar de bicicleta, brincar no play ground, normalmente uma criança autista não toma iniciativa, não se arrisca porque não sabe, não tem necessidade, tem problema motor e sente pela intuição SEUS LIMITES, sendo assim podem desenvolver uma baixa auto estima, isso dependerá muito do meio em que vive.
- Metáforas, piadas, sentido figurado, meias palavras...também não existe no MUNDO AUTISTA, para eles tudo tem de ser muito mastigado, claro, e de preferência frases curtas e diretas porque compreendem apenas o sentido literal das palavras, não manipulam, não são sarcásticos nem irônicos.

Quanto mais cedo o diagnóstico do autismo melhor, para que os pais possam definir toda a diferente TRAGETÓRIA de vida a ser seguida:

- escolas (especiais de preferência, onde o autista se sinta seguro).
- férias (muitos não gostam de mudanças na rotina).
 - ambiente familiar (envolvendo o relacionamento do resto da família, irmãos, irmãs, pais, avós, familiares em geral...vizinhos e vizinhança até).


Ontem conversando com uma amiga ao telefone, enfatizei o que sempre dizia um professor de direito: "cada caso é um caso", e no autismo é assim. Ontem mesmo assiti o programa na CNN no dia "Internacional da Consciência sobre o Autismo". Toda criança é diferente, e todo o autista é diferente.

O Autista não sabe se defender sozinho, nem quando é pequeno, nem quando é adolescente, nem quando adulto...mas como adulto ele pode aprender a SE FECHAR, boca fechada não entra mosca,ou criar mecanismos de sobrevivência, ele é treinado a se defender, encontrar meios, métodos para funcionar num mundo de normais. (Falo isso porque convivo com uma autista/ criança, e já convivi com uma pessoa adulta que provavelmente tem síndrome de Asperger e que não nunca foi diagnosticada).
A meu ver o Autista clássico (como é o caso de minha filha) precisará sempre de alguém por perto que monitore suas atividades, que o auxilie nas dificuldades, porque como não tem a curiosidade normal de uma criança, como os porquês da vida, brincar com fogo, se aventurar, dificilmente sofre acidentes, mas quando descobre ALGO tardiamente, pode sofrer acidentes mais complicados e até mais fatais que uma criança normal.

Fora que nossa sociedade é muito crítica, nós julgamos o tempo todo, o autista é alvo fácil para julgamentos, desprotegido, a mercê da boa ou má vontade dos outros, frágil.
Vulnerável.

Junto ao autismo, podem ocorrer outros probleminhas ...como epilepsia, sérios problemas motores, e muitos são medicados.
Minha filha tem problemas nos olhos, usa óculos desde os 4 anos, quando a professora descobriu que ela derrubava o copo a mesa, tem problemas de profundidade na visão, é estrábica sem óculos. Ela provavelmente usará aparelhos nos dentes (a boca é pequena p/ a arcada dentária), estão sendo feitos periodicamentes vários exames até os 12 quando provavelmente se saberá o tamanho da arcada e o tipo de aparelho a ser usado.

Era é prognata (um queixo protuberante), que graças a Deus está melhorando a medida que ela cresce. Fez fonoaudiologia por uns anos para aprender a se expressar e também fazer perguntas, e também fisioterapia para a coordenação e toda a parte motora. Hoje ela tem diploma de natação B (importante diploma na Holanda) e anda de bicicleta relativamente bem, mas patins no gelo, skates (não), patinetes com muita dificuldade.

Dominique é daqueles anjos, que vivem no mundo da bondade e da fantasia. Ela acha que Hitler era um homem ruim, somente ruim...e Jesus...um homem bom, somente bom. Acredita em (quase) tudo que vê na TV ou que dizem pra ela, é super influenciável...sendo que ai que mora o perigo, porque ela tem a índole boa e pra ela é difícil separar a ficção da realidade.
A vida pra ela é uma Alphea (a escola das Winx)= seriado que há 4 anos anos ela é obssecada, fascinada.
Neste ano em maio, ela completará 10 anos de vida. 10 anos...e já está virando uma mocinha com 9, seios e pelos pubianos, mas tem dificuldade na higiene, não usa mais fraldas que usou até 8 anos (para dormir), mas tem incontinência urinária...e sempre tem que ser dirigida ao toilette em horários determinados. Escovar os dentes sózinha também é um desastre, sempre tenho que estar por perto, e tem de ser em escova elétrica.

Aprendeu a ler, e tem difuldades com cálculo e ver as horas, no relógio estão apenas 12 horas...como o dia tem 24 horas(?), abstração é uma incógnita pra ela.
Talvez pensando bem, não terá muitos problemas existenciais ou filosóficos quando crescer. Serão suas escolhas mais simples?
Já possui um certo vocabulário em inglês, que assiste na TV ou na internet. Procurar no google é com ela mesmo,. Youtube, google, Nickelodeon... teclar o nome do que procura.

Ontem foi o dia internacional da consciência do Autismo. E 2 de abril faz parte da minha agenda (de vida), nós pais, parentes de autistas, educadores nos sentimos como numa grande família, esse é o alívio e a recompensa de nossos esforços,  conhecimento, a nossa desculpa, que nosso desafio é mais complicado, mas entender e nos comunicarmos com nossos filhos, zelar pelo bem-estar deles e fazer parte desse mundo autista é muito importante, dar todo apoio necessário para que sejam indivíduos respeitados enquanto vivermos e após nossa partida, agradecer toda a ajuda da sociedade que está envolvida na causa do autismo, as pesquisas científicas, a literatura, experiências de autistas especialmente adultos (o futuro de toda a criança), todo o apoio que temos com todas as informações. Pois quanto maior a consciência para essa causa, maior serão os frutos colhidos nas gerações futuras. 

5 comments:

Unknown said...

parabéns por ser discernimento, é de pessoas e mães como vc que o mundo precisa!!! bjca

Anonymous said...

Oi Bebete, a Beth do Noites em Claro me falou do seu blog e acabei de ler sue último post. No dia 18 de abril estarei fazendo uma blogagem coletiva sobre autismo pra ajudar o Matthew, um menininho q conheci antes dele ser diagnosticado. A mãe dele tb é brasileira e está precisando de ajuda aqui nos EUA.
Se vc quiser participar, posso colocar seu nome no post do dia 18linkado pra esse seu post.

Muito obrigada!

Andrea Drewanz said...

Oi, Bebete.
Eu vim até aqui para te avisar da blogagem coletiva da Isabella, e vi que ela chegou primeiro.
Ótimo!
By the way, seu relato é comovemte e corajoso. Nada melancólico. E vc parece tirar de letra as dificuldades...
A-do-rei conhecer vc um pouquinho mais.
Bjs

Patricia Veltri said...

oi bebete
te achei de novo
louco mundo da net
a gente ja quase se encontrou tantas vezes ne?
as ultimas vezes q ouvi de vc foi qdo a malu estava aqui
alias ela esta de volta este mes
mas esta e outra estoria
olha, primeiro parabens pelo seu depoimento. Vc e mto lucida e sabia.
segundo, vai me ver la no meu blog tb, espero q vc goste
http://saianarua.blogspot.com/
um gde abraco
patricia veltri, r'dam

Anonymous said...

Oi Bebete,

desculpe-me! Eu estava viajando quando vc me mandou o comentário sobre a blogagem coletiva sobre autismo.

Nada mais é do que vários blogueiros falando de autismo, amanhã, 18 de abril.

Sei que vc escreveu um post bem recente mas se vc quiser algo pra amanhã, seri legal. O apoio vai pro Matthew, um menino brasileiro de 4 anos que foi diagnosticado há 4 anos atrás. Estou divulgando o site dele: http://www.matthewschierloh.org-a.googlepages.com/home

Muito obrigada!

Isabella

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